A campanha Maio Furta-cor acredita que viver é arte. Assim, abrimos um chamamento público para mães artistas apresentarem trabalhos que de alguma forma dialoguem com a maternidade.
O Maio Furta-cor preza e zela por toda a mais ampla diversidade no maternar. Por esse motivo, consideramos “mãe” toda e qualquer pessoa que assim se identificar.
Confira aqui as mães-artistas premiadas e menções honrosas do primeiro Ma.m.arte!
1º Lugar
Da urgência da voz à ausência de som
Raiara Azevedo
A obra poética de Raiara nos oferece o movimento desordenado e confuso das palavras e som - o fluxo livre do pensamento de uma mãe - que vai pendulando a um centro de gravitação onde o sentido prevalece fundido ao sentir. Se estabelece a compreensão de um mundo outro, legítimo em existir como é e nunca atrelado à expectativa de aquisição de habilidades. Aplausos e comentários de uma platéia invadem a autora, apontando ao limite do mundo dela com seu filho e o mundo externo, lugar onde existem tantas angústias das mães atípicas. Ali, a derradeira validação interna sobre o saber materno.
A obra é acompanhada de uma fotografia, onde ambos, mãe e filho, estão com os corpos tingidos de múltiplas cores num potente contato visual que estabelece a imagem do movimento poético.
Para Raiara, essa poesia conta a história de muitas mães atípicas de crianças autistas não-verbais, que precisam lidar com a dor e a angústia fina que atravessa a pele. Para ela, lidar com a ausência do som e validar o sentido do sentir é impossível sem a arte, pois a arte significa para ela resistência e sobrevivência. A arte salva Raiara de seus silêncios e de suas próprias dores.
Raiara é jornalista, escritora, artista da palavra e do teatro, mãe atípica de Junior, autista, não-verbal, Nível 3 de suporte, a quem chama de Professor do Amor.
2º Lugar
Curta-metragem
Quaerenti
Mickaelly Moreira de Araújo
3º Lugar
Múscia
Meu Jardim
Luana Thaís Granai Carnaval
O curta-metragem Quaerenti (do latim: em busca de) é um trabalho que permeia a ficção e documentário autobiográfico, gravado durante a quarentena da pandemia de COVID-19 do casal Mickaelly e Romero. O curta conta em quarenta semanas a espera do casal para a chegada de um bebê, discutindo temáticas como gestação e covid-19, paternidade e maternidade de primeira viagem, gênero e amor.
"Quando um bebê nasce, três palavrinhas trazem aos pais um misto de sentimentos e ansiedade: “é um menino!”, “é uma menina” . Familiares, amigos e curiosos, aguardam a tão esperada notícia, para, a partir de então, presentearem o ser recém chegado com brinquedos e roupinhas advindos de prateleiras específicas. É nesse momento que se reafirma o que a sociedade patriarcal impõe, o mundo que deveria ser um misto de cores para o universo infantil, assume uma separação clássica entre rosa e azul. Devemos realmente enxergar como natural a reprodução de falas como “meninas brincam de bonecas e meninos de carrinho”?
Quaerenti apresenta em quarenta semanas a história real de um casal gestante, que deseja não saber o sexo da criança que está por vir, em meio a uma pandemia. Tal decisão desperta uma discussão que exclui os rótulos que a sociedade reservou no que diz respeito a separação de brinquedos, cores, brincadeiras e profissões por gênero.
O interesse de pesquisa do casal pela estetização das narrativas originou-se a partir de uma pesquisa acerca do jornalismo literário cinematográfico, que se refere à singularidade de uma atitude, um modo de ver e reportar a realidade, independentemente do tipo de veículo que abriga a mensagem. É proposta do casal refletir sobre o curta/documentário como um trabalho que evidencia a subjetividade dos personagens, ambos tendo a encenação como elemento fundamental em sua composição e sendo dotados de autorreflexividade.
O trabalho conta com um processo de criação colaborativa que permeia entre o real e a ficção, e desperta reflexão acerca da maternidade e paternidade em tempos de pandemia, o medo do coronavírus e a falta de informações sobre as sequelas da doença a logo prazo, principalmente em gestantes.
Quaerenti é o curta vencedor do Festival Quarentene-se, na categoria profissional e foi apresentado na Mostra de cinema poti-cultural do SESC.
O curta-metragem de Mickaelly e Romero se conecta ao Maio Furta-cor em seu próprio nascimento: nascemos na pandemia, diante da explosão de adoecimentos maternos, já nos questionando desde o ventre de nossas idealizadoras sobre nosso papel de gênero no mundo, sobre a paternidade e como tornar a temática da saúde mental materna democrática e socializada. Como ao final do curta: “é sua vez”.
Mickaelly é mãe, assistente social e artista. Atualmente, vive da arte como fotógrafa e videomaker, expressando as minhas dores, anseios e angústias em sua produção artística. Para ela, “a arte me salva como mãe e a maternidade me salva como artista”, ambas se apresentando cotidianamente na ambivalência de angústias e alívios.
A canção Meu Jardim coloca no centro de sua poética a mulher, antes de mãe ou qualquer outro papel. Ela vem como um grito diante da importância imperativa e necessária de narrar sua própria vida e retomar o protagonismo existencial para si. Tange a temática do cuidado com si a partir da gentileza e valorização da morada que se é.
Seu refrão:
“Eu descobri que sou a luz do fim do túnel
Que devo toda gentileza para mim
Que sou o horizonte que tanto procuro
Que no deserto sempre fui, sempre fui
o meu jardim”
injeta esperança e amor próprio em vidas precarizadas pelas marcas de um feminino violado.
Luana Granai tem 27 anos, mãe solo de três filhos. Cantora, compositora e podcaster. Participou do The Voice Brasil em 2020, chegando até a semifinal. Atualmente faz shows de samba e mpb, da onde tira seu sustento vital, e se prepara para lançar seu álbum autoral ainda esse ano. Tem quatro músicas autorais lançadas, cuja temática principal é a luta feminista de forte senso político e social. Dentre suas obras, a canção “Meu Jardim” é a mais popular contando com meio milhão de plays apenas no Spotify.
Pés caminham na corda bamba do feminino, sustentado pela presença da trindade: a gestante, a mãe de uma criança e a mãe de um bebê. A vivência integrada, e por isso mesmo chocante, da maternidade em seus pontos de contradições se desnuda na obra de Julia. A centralidade do vermelho esfumaçado de cigarro explicita o desejo e a sexualidade como marca de uma mulher que, contraditoriamente ou não, amamenta. A gestante presa pelo gradil de um corpo que cresce mas protegida pelo manto sagrado das flores da natureza, outro contraponto. E a mãe, vestida de cultura, nega o esperado conforto do colo e o olhar de ternura mirando ao horizonte. A trindade não única, não inteira, mas integrada pela tênue linha entre pés, racha o romantismo fértil e lactante daquilo que é esperado das mães.
Julia Linda é artista multimídia que transita entre o corpo, a indumentária, a poesia e a pintura. Na infância despertou sua relação com a arte, a partir da convivência com a avó, que introduziu em seu cotidiano a pintura, o tear e a costura naturalizando a relação com a manualidade. A partir desse reconhecimento na arte vem buscando reunir as linguagens onde o corpo é o suporte de reflexão sobre a sexualidade, maternidade, desejos e potências. Entre experiências individuais e coletivas, sua trajetória é permeada por parcerias e projetos colaborativos, dessa forma, aprende a refletir e discernir o potencial de cada um.
Menção honrosa
Obra: As três mães
Categoria: Artes visuais
Julia Pacheco
Seleção de poemas escritos entre o final da gestação e o puerpério, tentam abarcar tanto o deslumbramento quanto o assombro da matrescência. Invoca personagens mitológicos, figuras antropológicas e geológicas para atravessar o visceral da coisa, dura observação de se fazer palavra pelos corpos que pulsam vida. Seu conjunto de poemas toca com erudição e a elegância a exatidão do desconforto e reconhecimento de maternar.
Adélia Jeveaux Pereira é psicóloga e pesquisadora em psicanálise, mãe do Vinícius, de quase um ano, e atualmente gesta a si mesma. Com poemas, desenhos e textos, tateia esse novo planeta da maternidade, tentando não perder de vista o autocuidado e o olhar para o social e o político. Afinal, se há algo que nos incendeia politicamente, esse algo é a maternidade.
Menção honrosa
Obra: Se parir
Categoria: Poesia
Adélia Jeveaux Pereira
Willendorf
Das Vênus
a mais redonda
e firme
Ele pesa dentro
e eu piso
como um peão
girando a cada passo
e sigo
lotada
e rija
com a nossa abundância
por um quarteirão
ou dez
ou quantos sejam que me restam
Até eu me esvaziar
pra me preencher
de outros contornos
Sufoco é uma obra fotográfica onírica que transborda o corpo oprimido quando não há contorno do íntimo. Os olhos vendados, relembrando o mito de Maia, na angústia do enforcamento como símbolo da opressão, se constrói num cenário apocalíptico de fusão do horizonte da terra com o céu. Essa obra pulsa em laranja a angústia do sem contorno da sujeição da alma ao sistema de opressão que se impõe invisível.
Menção honrosa
Obra: Sufoco
Categoria: Fotografia
Maíra Morelle Alves