"É preciso uma aldeia inteira para criar uma criança."
O provérbio Africano nos remete a premência de uma responsabilização coletiva com os cuidados e a educação de crianças, e traz à tona a urgência pela ressignificação destes cuidados, que na nossa cultura reforçam o papel da mulher enquanto única e exclusiva cuidadora de uma criança.
Com o passar dos tempos, inúmeras transformações culturais diluíram o amparo social que as mulheres costumavam ter no passado, principalmente no período gravídico-puerperal. Sendo assim, a distância da família de origem e a falta de referências faz com que o nascimento do próprio filho seja a primeira vez de muitas mulheres enquanto protagonistas do cuidado de um bebê.
Ainda, incide no nascimento de um filho a naturalização do papel materno e as suas demandas de cuidado como algo inerente ao amor materno. Nem mesmo o forte ingresso feminino no mercado de trabalho resultou na diminuição da sua responsabilização no espaço privado do lar. Essa sobreposição de tarefas que caracteriza a dupla/tripla jornada pesa e muito nas suas decisões em detrimento da satisfação e bem-estar dos filhos, deixando de lado seus projetos de vida, realização pessoal e profissional, até mesmo a sua saúde mental.
E que aldeia é essa que o provérbio africanos nos traz a reflexão?
É o contexto social o qual estamos inseridos, pessoas em torno desta família, rede de apoio e políticas públicas que proporcionem condições para que essa criança se desenvolva com saúde e segurança. Precisamos falar sobre a coletivização do trabalho no ambiente doméstico, isto é, a responsabilização de uma crianças não está mais só sob os cuidados da maternos, mas do Estado e da sociedade civil. Dessa forma, a criação de uma criança se dá sob o olhar e o cuidado não apenas da mãe, mas das inúmeras pessoas que fazem parte deste coletivo e que não estão implicadas ainda neste processo.
Zanello, Valeska. Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. 1.ed. Curitiba: Appris, 2018.
Kehdy, Roberta W. Rede de apoio: cuidar dos pais na chegada do filho. In: Iaconelli. Laços. Coleção Parentalidade e Psicanálise. 1 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2020.
Anelise Beheregaray, psicóloga.