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Viver o luto é como estar com uma gripe constante?

Foto do escritor: Damiana Angrimani Damiana Angrimani

Com o positivo em mãos, talvez você tenha escolhido nome, comprado uma roupinha para o seu bebê e, com o avançar da gestação, decorado o quarto dele. Em alguns momentos, você pode até ter refletido sobre como o bebê iria afetar o resto da sua vida. Independentemente do que aconteceu — se sentiu alegria ou apreensão, se considerou que ele seria parte da sua vida, se ele fez parte dos seus sonhos e projetos, ou não —, passar por uma perda pode ser extremamente devastador em qualquer fase. Você não terá de se recuperar apenas no lado físico, mas também nas questões emocionais e espirituais.


Pode ser que agora você esteja se sentindo sozinha e desamparada, como se ninguém entendesse o que está acontecendo na sua vida. É possível que você esteja sentindo vergonha, fracasso ou humilhação, como se tivesse feito algo para que seu bebê se fosse, como se o seu corpo não funcionasse bem. Qualquer que seja o seu sentimento, ele é válido. Não há jeito certo ou errado de lidar com a perda de um filho.


Quando se trata de luto, não há espaço para ideias binárias, isso ou aquilo. O luto é pessoal, subjetivo e único. Perder um filho é um luto não reconhecido — e, por isso, tão invisível. É difícil ser quem perde o filho, e é difícil ser o bebê que morre, porque essas duas partes acabam mostrando, para uma sociedade tão controladora, a vulnerabilidade e a nossa impotência diante da vida sem dó nem piedade. E isso dói.


Vivemos numa sociedade extremamente medicalizada, que tem certa dificuldade em olhar e reconhecer a dor. Não há espaço para demonstrar sentimentos, e aqueles que geralmente estão presentes num processo de luto, como tristeza, raiva e inveja, são considerados inadequados — como se existissem sentimentos inadequados... Sentimentos são sentimentos e, quanto antes aceitarmos isso, mais cedo aceitaremos a nós mesmos e ao outro sem julgamento e com respeito.


Conheci Sara e Rui em janeiro de 2019. Eles participaram de uma roda de conversa sobre perdas gestacionais e neonatais e contaram a história das filhas gêmeas. Depois de alguns meses, iniciaram a terapia, e Sara sempre me dizia como se sentia no dia a dia, mas falava que era difícil encontrar uma palavra para codificar as sensações. Ela definia a vida após a perda como “estar num estado constante de gripe”. Desde o velório de uma das filhas, nada mais tinha cheiro, sabor ou som. Era como se os órgãos dos sentidos tivessem sido acometidos por uma forte gripe, e ela estivesse vivendo em suspenso.


Não sei se é assim para todo mundo, provavelmente não, mas é inegável a semelhança dos sintomas. Perda da sensibilidade para estímulos externos e sensação de estar fora de si são afirmações que escuto com frequência. E acredito que isso aconteça por um tempo mesmo, infelizmente.


Quando não levamos um bebê vivo para casa, passamos a habitar um mundo inóspito, desprovido de ar, sensações e presença. Nossos sonhos e projeções são arrancados de nós antes mesmo que fosse possível vivenciá-los no mundo real, e isso é horrível. De repente, temos que viver com a dor de um dos maiores medos de todos que têm filhos: perdê-los.


Por Damiana Angrimani (Trecho do livro da autora: Perdi meu bebê. Uma companhia para atravessar o luto gestacional, perinatal e neonatal)


 
 
 

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